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quarta-feira, 21 de maio de 2008

Valente Fluminense, valente Washington

Fluminense e São Paulo era considerado por muitos um confronto de convicções opostas de futebol: o futebol de ontem, o dos cariocas, contra o futebol de hoje dos paulistas. O futebol de ontem era aquele onde a técnica quase sempre vencia a força e os esquemas táticos tinham menos importância (e só três números: 4-4-2, 4-3-3, 4-2-4). O de hoje tem o mérito de fazer times limitados vencerem e, por vezes, convencerem graças ao conjunto e a um pragmatismo quase matemático.
O primeiro tempo mostrou clara prevalência do time da casa, com o seu envolvente 4-2-3-1 (quatro números...). Não só tinha mais a bola, como a controlava nos calcanhares da área são-paulina. Não só jogava no campo adversário como ameaçava. Numa dessas chegadas Washington, o Coração Valente, colocou pra dentro; a torcida do Fluminense, por sua vez, colocou pra fora o grito de gol. Estava tudo igual no confronto de tricolores.
Não seria exagero se o time da casa saísse da primeira etapa com mais um gol de vantagem, dada a sua superioridade flagrante. Restavam 45 minutos e os técnicos quebravam a cabeça com dúvidas cruéis. Muricy se perguntava como fazer para reverter o placar e conquistar a vaga no tempo normal, já Renato Gaúcho convivia com o dilema entre ir atrás do segundo gol ou valorizar o resultado que o manteria vivo para os pênaltis.
A principal substituição do intervalo: sai o futebol de ontem, entra o futebol de hoje.
E aí, amigo, o campo verdinho fica preto e branco como um tabuleiro de xadrez. Muricy, o melhor enxadrista (ou técnico) do Brasil, logo tratou de usar suas peças: pôs Aloísio no lugar de Dagoberto, que havia se limitado a ciscar sem rumo.
Renato, por sua vez, achou por bem atacar. O que Renato mais uma vez mostrou não compreender é que, no futebol de hoje, nem sempre é mais ofensivo quem tem mais jogadores de frente. Na melhor das intenções tirou o segundo volante Arouca para colocar o atacante Dodô.
Renato não esperava, mas a alteração acabou por só dar terreno e tornou o São Paulo mais perigoso. O Flu passou a perder o meio-campo e a dupla Adriano-Aloísio dava trabalho, e muito, para a defesa tricolor, que a essa altura tinha três defensores marcando os dois. Grande erro! É público e notório que ambos sabem como poucos proteger a bola, dividir, trombar... São atacantes de hoje. Muito espaço e apenas um marcador na sobra não são o suficiente.
E numa dessas jogadas com trombadas e boas tabelas o São Paulo empatou: Aloísio recebeu na ponta esquerda, passou de Gabriel como quis e cruzou para a área. Adriano, em posição duvidosa, subiu sozinho da Silva e testou para o gol de Fernando Henrique. Agora a vantagem tinha dono.
Mas o time do Fluminense também tinha dono, Conca, que corria como mais ninguém em campo, lutava, driblava e jogava. Por ele e pelo inoperante Thiago Neves (novamente ausente na hora da decisão). Conca tanto fez que foi recompensado já na saída de bola após o gol: tocou para Dodô dentro da área. O artilheiro dos gols bonitos aproveitou a única chance que teve no jogo e, mesmo com ângulo diminuto, tocou com a categoria dos craques entre as pernas de Ceni. O Fluminense ainda precisava de mais um gol.
Joilson, que entrara a pouco, fez duas faltas tão estúpidas quanto seu futebol. Dois amarelos, consequentemente um vermelho. O São Paulo com dez e o Fluminense com doze, os jogadores e a torcida que se inflamou e contagiou o time. Este, que não conseguia superar a boa zaga paulista com sua melhor técnica, passou a usar a vontade.
Renato pôs Maurício no lugar do horroroso Ygor e o garoto Alan no lugar de Gabriel. Muricy, antes da expulsão, havia posto Jorge Wagner em campo. As cartas estavam lançadas e a lógica indicava que, apesar da pressão terrível do Fluminense, nada mudaria. Mas a lógica não entra em campo no futebol. Nem no de ontem, nem no de hoje.
Mas o sobrenatural, sim, entra. E assina a súmula com nome e sobrenome: Sobrenatural de Almeida, diria Nelson Rodrigues.
Num escanteio cobrado aos 47 do segundo tempo a estrela de Washington brilhou. Testada fulminante entre três marcadores. Rogério Ceni batido. O Fluminense classificado.
O gigante desabou. De joelhos, as lágrimas vieram ainda na comemoração. Renato Gaúcho gesticulava "Acabou! Acabou!". O Maracanã era unânime: o Fluminense estava nas semifinais. E estava mesmo, apesar de Renato.
Dessa partida histórica fica a lição: nem sempre a vontade e o destino vão dar tão certo. Renato precisa aprender a jogar o xadrez do tapete verde. E rápido.

Um comentário:

Tamyres Matos disse...

Eu não tenho a menor dúvida de que esse rapaz vai se tornar um grande jornalista esportivo... a classe é inegável. Como já disse em outro blog, o elogio ao futebol é válido. Que pena que o centro das atenções é o fluminense...
Saio da classe do Igor para o comentário esdrúchulo: "Renato Via..." Para bom entendedor! hehehe

PS.: Demorou mas chegou!